Os
miomas uterinos representam o mais comum tumor pélvico em
mulheres, com prevalência de 20 a 40% ao redor dos 35 anos.
A histerectomia tem sido tradicionalmente o tratamento primário
para o leiomioma uterino em pacientes com prole constituída.
Nos EUA, um terço de todas as histerectomias tem como indicação
específica esta doença.
Em mulheres que desejam preservar a fertilidade, a miomectomia
(endoscópica ou laparotômica) é considerada o tratamento de
escolha. Verifica-se algumas controvérsias sobre a morbidade
deste procedimento e estudos relatam que múltiplos miomas
estão associados com aumento do sangramento durante a cirurgia,
estendendo-se assim o tempo cirúrgico, dor no pós-operatório
e dias de internação.
A
literatura demonstra que uma boa parte das mulheres submetidas
a tratamento do mioma uterina prefeririam outro tipo de procedimento
que não a histerectomia. Apesar deste procedimento proporcionar
resolução completa dos sintomas, muitas pacientes estão pouco
dispostas a assumir os riscos, o desconforto e a perda inevitável
do potencial de gravidez, e mesmo aquelas que não desejam
gestar podem reclamar de uma sensação de vazio após a remoção
do útero. Essas considerações incitaram a procura de tratamentos
menos invasivos para esta patologia.
A embolização de artéria uterina surge como método não cirúrgico
altamente efetivo no tratamento de hemorragia pélvica aguda
e crônica, e em citações clínicas diversas: hemorragia pós-parto;
gravidez ectópica; trauma; hemorragias relacionadas com neoplasia;
malformações artéria-venosas. Recentemente, iniciou-se a aplicação
da embolização com tratamento alternativo para o leiomioma
uterino, recebendo atenção especial como uma maneira de reduzir
o número de histerectomias.
EMBOLIZAÇÃO
A embolização é a oclusão dos vasos, visando diminuir a vascularização
de uma região. Atualmente, há várias maneiras de ocluir um
leito vascular causando isquemia parcial ou completa, permanente
ou temporária, de acordo com a necessidade. Trata-se de procedimento
utilizado em várias patologias como traumatismo, fístulas
artério venosas, varizes esofágicas, úlceras gastro duodenais,
pseudo-aneurismas, tumores hepáticos, renais, ósseos e metastáticos,
malformações artério venosas, varicocele, varizes pélvicas,
hemoptise e sangramentos em geral, desde a cavidade nasal
até o segmento colo retal.
Quando escolher a embolização?
Avaliação do Ginecologista
A preocupação inicial para a realização do procedimento, deve
ser o esclarecimento da paciente que tenha indicação de histerectomia
e esteja buscando uma opção não cirúrgica. Entretanto, a avaliação
pode revelar que estas pacientes não são candidatas adequadas
para embolização, considerando fundamentalmente a avaliação
e o consentimento do ginecologista que a acompanha.
Algumas questões básicas devem ser respondidas:
1. A paciente tem sintomas diretamente relacionados
à presença do mioma uterino?
A queixa mais comum relacionada à suspeita da presença
de mioma uterino é o desenvolvimento de ciclos hipermenorrágicos,
dor pélvica e sintomas urinários compressivos. Uma anamnese
cuidadosa demonstra freqüentemente sintomas típicos e sugerindo
o diagnóstico; o exame físico freqüentemente mostra o aumento
do útero ou efeito de massa pélvica.
2. Há necessidade de qualquer tratamento invasivo
para os miomas?
Pacientes com miomas uterinos são classificadas facilmente
como sintomáticas ou assintomáticas. Em pacientes sintomáticas,
a decisão pela indicação do tratamento depende de uma discussão
precisa dos riscos e benefícios, das várias modalidades terapêuticas
e o grau de incapacitação física e/ou psicológica. Nesta consideração,
é importante notar que mais pacientes podem optar por tratar
dos miomas com técnicas menos invasivas atualmente disponíveis,
inclusive a embolização. Conseqüentemente, o médico ginecologista
deve estar familiarizado com as vantagens, desvantagens e
resultados associados a cada modalidade de tratamento.
3. A paciente deseja gravidez futura?
Embora a maioria das pacientes com miomas uterino
não desejem nova gravidez, existe um grupo de pacientes para
as quais esta questão tem um papel principal na decisão do
tratamento. Atualmente, a miomectomia é o tratamento invasivo
de escolha nesses casos, mas não é uma opção de tratamento
ideal.
A embolização pode representar excelente opção terapêutica
de preservação uterina nesta colocação, devendo-se levar em
conta se a desvascularização uterina pode ou não afetar a
capacidade de conceber e suportar novas gravidezes a termo.
Deve-se informar às candidatas à embolização sobre a possibilidade
de infertilidade, uma vez que existem relatos de casos de
histerectomia após o procedimento devido a complicações.
Além disto, a insuficiência ovariana precoce é, pelo menos
teoricamente, uma complicação possível da embolização da artéria
uterina, se ocorrer a embolização não desejada do ovário.
Esta complicação ocorre em 1% a 2% das pacientes.
4. A paciente tem outras condições médicas ginecológicas
ou não-ginecológicas que poderiam predispor a complicações
específicas da embolização ou tratamentos cirúrgicos?
Embora a histerectomia seja o tratamento de escolha
em pacientes com sintomas do mioma na pós-menopausa, mulheres
desta idade, podem apresentar problemas médicos que tornam
as opções cirúrgicas menos desejáveis por aumento do risco
de complicações. São fatores como doença cardiovascular, doença
pulmonar obstrutiva crônica, ou cirurgia pélvica anterior,
favorecendo a indicação da embolização. Por outro lado pacientes
com salpingite crônica ou endometrite têm teoricamente maiores
chances de desenvolver infecção pós-embolização, que pode
ser agressiva nos tecidos desvascularizados. Outras restrições
a serem notadas referem-se a pacientes com desordens de coagulação,
insuficiência renal e alergia a contraste.
Além disto, pacientes com história de infertilidade podem
não ser candidatas ideais para embolização, embora estudos
futuros possam aprovar o procedimento em casos onde os miomas
são a causa da infertilidade.
5. A paciente tem outras razões específicas para
não querer a histerectomia?
Há várias outras razões pelas quais as pacientes
optariam pelos tratamentos minimamente invasivos. Os mais
comuns são aversão forte aos riscos, desconforto pós-operatório
e período de recuperação associado à cirurgia e o desejo simples
de manter o útero intacto.
Embora existam algumas situações onde uma modalidade de tratamento
específica é claramente superior, na maioria dos casos é importante
valorizar os desejos da paciente de tomar decisões sobre o
tratamento.
Chegando a uma decisão final, é importante que as pacientes
estejam cientes que tratamentos de não histerectomia têm uma
taxa de fracasso inerente, e os sintomas podem reaparecer
após a miomectomia ou a embolização. Vale a pena ressaltar
às pacientes candidatas a embolização que o risco da histerectomia
está presente, nos casos em que ocorrem complicações infecciosas.
Orientação ao paciente
Ocasionalmente, no contato com pacientes candidatas a embolização,
podemos ser confrontados com uma situação em que a paciente
vem com uma indicação prévea de histerectomia recomendada
pelo seu ginecologista. Nesses casos, é importante que o radiologista
intervencionista esteja familiarizado com as várias indicações
para histerectomia em pacientes com mioma, e perceber que
as razões da recomendação feita pelo ginecologista podem ser
baseadas em parte pela presença do mioma e também por outros
fatores não adequadamente entendidos pela paciente.
Sempre que possível, a direta comunicação com o médico que
acompanha a paciente ajudará indubitavelmente a resolver muitos
destes conflitos aparentes.
Exames complementares
Ultra-som endovaginal - excelente método
de visualização de miomas uterinos; quando combinado com ultra-som
pélvico pode fornecer medidas seguras do tamanho uterino e
dimensões do mioma;
Localização sonográfica do mioma dominante individual
- pode guiar a decisão sobre a indicação da histeroscopia,
laparoscopia ou abordagem aberta para miomectomia, sendo também
um dado crítico na avaliação do sucesso do tratamento intervencionista;
Ressonância nuclear magnética – bastante
citada na literatura pela precisão na localização do mioma,
assim como sua mensuração;
Biópsia endometrial - pode ser importante
para estabelecer o diagnóstico diferencial da hemorragia uterina.
Se a biópsia ou o ultra-som revelar uma fonte potencial de
sangramento sem relação com os miomas, o paciente não deverá
ser submetido a embolização;
Em algumas situações a histerectomia representa uma opção
aceitável ou até mesmo necessária na presença do mioma, sendo
as mais importantes a suspeita de degeneração sarcomatosa
do leiomioma ou do endométrio e o carcinoma cervical ou ovariano.
Embolização - Técnica e Materiais Utilizados
A embolização é realizada em uma sala de angiografia, (no
nosso caso um aparelho com subtração digital) com cuidados
de assepsia e anti-sepsia rigorosos.
Utilizamos uma anestesia local na região inguinal, associada
a sedação consciente da paciente. Realizamos então a punção
da artéria femoral comum e a passagem de uma bainha por onde
se introduz os cateteres.
Com o auxilio de fios guias e contrate, (no nosso caso utilizamos
apenas contrate não iônico por apresentar menor rico ao paciente)
introduzimos o catetere seletivamente na artéria uterina a
partir daí realizamos a liberação de materiais de embolização
que promovem a oclusão das artérias que irrigam o mioma, este
procedimento é realizado nas duas artérias uterinas, direita
e esquerda.
Os materiais mais para a embolização são as partículas de
PVA (Álcool Polivinílico) que são fornecidos em diversos tamanhos
de 100 a 1000 micras e Gelatina hemostática (Gelfoam), estes
são liberados para o fluxo levados para a circulação terminal.
Analgesia
No pós-operatório a dor é a complicação mais freqüente, ela
é intensa e inicia logo a pós o procedimento durando em torno
de 24 horas, requer cuidados intensivos no seu controle. Diversos
esquemas para analgesia podem ser realizados, alguns autores
utilizam anestesia peridural com cateter mantido por aproximadamente
seis horas, alguns autores utilizam antiinflamatórios antes
e durante o procedimento, e analgésicos potentes intramusculares
após o procedimento, outros utilizam esquema de analgesia
com uma bomba de infusão controlada pela própria paciente
conhecida como PCA. De qualquer forma o controle da analgesia
é uma preocupação constante e quase sempre presente. Neste
período a paciente permanece internada (24 a 48 horas).
Acompanhamento clínico das pacientes pós embolização
tem três objetivos principais:
• Prevenir complicações;
• Minimizar o desconforto do período pós-procedimento
e
• Avaliar a efetividade de terapia.
Pós-procedimento imediato: o radiologista intervencionista
monitora complicações inguinais do cateterismo ou reações
medicamentosas da angiografia e faz uma avaliação das condições
gerais da paciente depois do procedimento. O controle da dor
é de grande importância nas horas que se seguem a embolização
das artérias uterinas. Em todas as pacientes são administrados
analgésicos endovenosos pós-procedimento. Todas recebem alta
com uma prescrição de analgésicos orais (narcóticos e antiinflamatórios
não hormonais).
Monitorização precoce pós-procedimento: esta fase geralmente
está sob os cuidados do ginecologista e envolve história e
exame físico dentro de uma semana do procedimento e após seis
semanas, com o propósito de verificar sinais de infecção pélvica.
Estes sinais incluem febre não resolvida ou crescente, calafrios,
corrimento e dor pélvica. Se presentes, podem ser administrados
antibióticos e a paciente encaminhada ao hospital dependendo
da severidade dos sintomas e o grau de suspeita. Em pacientes
que requerem readmissão deve-se levar em consideração exame
de imagem da pélvis para diagnosticar piometria ou formação
de abscesso. O abscesso pode ser tratado por drenagem guiada
por imagem e antibióticos intravenosos, mas pode necessitar
de tratamento cirúrgico inclusive uma histerectomia.
Acompanhamento a longo prazo: esta fase envolve o ginecologista
e o radiologista. Assuntos importantes a se observar são sangramento,
dor, alteração da menstruação ou outros sintomas. Geralmente,
executa-se ultra-som de seguimento com um mês e meio, três,
seis e 12 meses, a fim de avaliar qualquer mudança no tamanho
do útero ou aparecimento de miomas. Pode-se indicar a ressonância
magnética para avaliar as várias camadas do útero e obter
medidas precisas do tamanho uterino.
Histórico
1968 – Newton e Doppman, separadamente,
descrevem o primeiro procedimento de embolização de angiomas
vertebrais. Posteriormente, vários grupos passaram a utilizar
a embolização para o tratamento de hemorragias, principalmente
as do trato digestivo.
1979 - Heaston descreve o uso da embolização
arterial para tratamento de hemorragia pós-parto. Neste caso,
a histerectomia e a ligadura da artéria ilíaca interna não
foram suficientes para tratar a hemorragia, que cessou imediatamente
após a embolização de um ramo vaginal da artéria pudenda interna
esquerda com Gelfoam.
Oliver e Lance descreveram um caso de sangramento vaginal
severo que foi refratário a cinco intervenções cirúrgicas
tratadas com sucesso com embolização com Gelfoam.
Sucessivamente, outros autores descreveram o sucesso da embolização
em casos de gravidez ectópica e malformações artério-venosas,
além das embolizações profiláticas em casos obstétricos de
alto risco de sangramento, como placenta prévia, com diminuição
significativa da perda sanguínea.
1994 - Em Paris, Ravina e colaboradores
notificaram a redução do mioma uterino em pacientes submetidas
a embolizações por sangramento agudo, com excelentes resultados.
Em seu estudo, 31 pacientes diminuíram o sangramento no intra-operatório
e as demais reduziram significativamente os seus sintomas
após a embolização, levando a postergar a cirurgia ou até
mesmo cancelá-la.
Assim, surgiu a proposta pioneira do dr. Jacques Ravina da
embolização terapêutica para leiomioma uterino com falha no
tratamento clínico, como alternativa para a miomectomia.
1998 - Numa revisão literária, Goodwin identificou
49 casos de embolização por cateterismo para controle de sangramento
pós-parto, com sucesso de 100% nestes casos.
Ravina e colaboradores, desde o início de seus estudos, realizaram
mais de 100 procedimentos.
A taxa de sucesso clínico da rede mundial tem sido aproximadamente
85% em todos os casos realizados. |